Literatura_Narrativa_Contos: Foi Culpa do Vento.

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Este espaço é reservado às pessoas com olhares interessados em Literatura, aos tecedores de amigos e aos amantes da vida. Nele, escancaram-se o coração e a alma _do Médico-Escritor, Paulino Vergetti_ para receber seus amigos e visitantes. Alagoano, nascido em União dos Palmares, terra do poeta Jorge de Lima e de Maria Mariá, publicou trinta e duas Obras: romance, conto, crônica, poesia e ensaio. Médico Oncologista, casado, dois filhos, reside em Maceió, onde escreve sua Literatura.

Saturday, July 08, 2006

Foi Culpa do Vento.


Foi culpa do vento


Em tempos nem tão distantes da memória, o velho Chico era um rio bem diferente do que se mostra aos nossos olhos hoje. Nele, nas velhas e saudosas canoas de tolda, passeavam embarcados desde músicos, noivos a defuntos enrolados em redes ou nos átrios silenciosos dos féretros.
No silêncio da noite, quando a lua vinha doirar suas águas, dizem os mais velhos, o rio confabulava com suas margens chamando os encantos lendários, as visões de almas, os causos obscuros.
Nossas viagens de Traipu para Penedo eram feitas nessas velhas canoas de tolda. Eu e meus pais viajávamos contentes como se o rio nos propiciasse encanto aos nossos olhos.
Naquele sábado, cedinho, estávamos prontos para mais uma das nossas alegres viagens. Eu fui o primeiro a chegar à margem e pôr os pés na canoa. Com meu lugar garantido, pus-me a esperá-los, o que não demorou.
_Frederico, arrume-se para não tombar n’água: o Chico é o Chico. Tem força e encanto.
Papai ia logo à frente do canoeiro. Mamãe agarrada à madeira da canoa e ciente de que estava firme. O bico da canoa cortava a água do rio, mansamente, como se beijos de amor lhe desse. O vento ajudava, e a canoa deslizava depressa, barriga a barriga com o velho Chico, como se cioso de amor por seu casco estivesse.
Chegamos a Penedo ainda com o sol forte. Fomos direto ao que mais nos interessava no centro da cidade. A canoa ficou lá, solitária, talvez a namorar o rio ao balanço das ondas namoradeiras.
Almoçamos uma apetitosa moqueca de surubim; mamãe preferiu um suculento pirão de pitu; melamos as mãos, ela e eu, no quebrar das patas, na delícia da refeição.
Era hora de retornarmos. Subimos na canoa, acomodamos os pacotes e fomos levados até Porto Real do Colégio. Estivemos a visitar um irmão de papai, o tio Monsenhor Álvaro. Era costume de papai visitá-lo quando próximos àquela cidade passávamos.
E sem que pudéssemos fazer nada, o vento parou de soprar e a viagem daí até Traipu teve que ser interrompida. Tivemos que pernoitar em casa do tio. Na janta, uma sopa deliciosa e eu me atirei com gulodice a ela, comi até encher. Esqueci-me do meu problema crônico.
_Mãe, e aquilo? De noite?
_Reze para seu anjo da guarda que não vai acontecer aqui.
_Mãe...
Fomos dormir; eu mais cedo que meus velhos. Lá para
as tantas da madrugada achei de acordar. Entristecido, senti que algo havia me acontecido e fiquei apavorado. A enurese noturna havia me traído mais uma vez. Eu havia me ensopado e ensopado a rede de urina. Restava-me uma solidão envergonhada.
Levantei-me apressado, com o mundo ainda escuro, dobrei a rede, escondi-a sob uma marquesa colonial na sala e corri porta afora até encontrar a canoa a balançar ancorada nas águas rasas das margens do rio. Ali entrei e não saí mais até que o dia amanhecesse e pudéssemos viajar de volta até Traipu.
_Meu filho, que coisa feia você fez!
_Mãe..., eu tava todo...
_Mas estava em casa de seu tio e não haveria qualquer problema mais sério.
_É que minha calça estava molhada e eu envergonhado...
Só me alegrei quando o vento chegou forte e a canoa pôde levar-nos de volta. A viagem estava novamente viva. Comecei então a sentir falta de não ter feito o desjejum.Sentia muita fome.
_Tá com fome?
_Tô, pai!
_Beba a água do rio.
E entre gargalhadas chegamos à terra firme e descemos todos, cheios de pacotes e eu, de histórias para esquecer de contar a quem quer que fosse. Comi feito um condenado e não quis mais lembrar-me da viagem. Quando havia qualquer delas para fazer, eu procurava indagar ao canoeiro sobre o vento, se estava mais para bom do que para ruim. Mamãe me prevenia, papai me alertava,mas quemme resolvia tudo mesmo era o vento que,quando forte,sempre me trazia sorridente de volta para casa.

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